domenica 1 novembre 2009


FOPLADE-Clara Ferreira Alves Breve encontro noutra cidade


8:00 Segunda-feira, 26 de Out de 2009


Encontro-a por acaso. É portuguesa. Quer dizer, não é bem portuguesa, mas sente-se um pouco portuguesa. Estamos sentadas num desses cafés de Londres que servem pequenos-almoços rápidos e internacionais, baguetes com omeletas e salada verde, croissants de manteiga, sumos de laranja em frascos com rótulos que dizem que são frescos e acabados de fazer, granola com leite magro e barras de cereais sem aditivos nem químicos perigosos, pela nossa saúde. Pelo menos é o que diz um cartaz na parede, com um ovo sorridente como um smile a olhar-nos com bondade biologicamente pura. Toda a gente está apressada menos ela e eu. Desembrulho o jornal na mesa onde mal cabe o tabuleiro e depois o telemóvel toca e ela ouve-me falar português. É segunda de manhã cedo e o café está cheio de gente que entra e sai e se prepara para tomar o pequeno-almoço saudável no metro. Ou a andar para o metro. De pé. A correr. O que quiserem. O ovo do cartaz não contava com isto.

Ela tem outro jornal na mão, não é um tablóide. Tem um computador miniatura aberto em cima da mesa, uma mala de cabedal gigante donde saem objectos que tentam escapar e pastas com papéis. O jornal é o "Wall Street Journal".

Interpela-me num português ligeiramente acentuado. É morena e com a pele escura, a face lisa como um tecido de seda enrugado nas pontas. Cabelo preto e olhos fendidos. Indiana? Indiana de Goa, ou melhor, a família é de Goa, católica, com nome português. Uma das mansões de Margão, penso eu. Candolim, diz ela. Brâmanes convertidos ao catolicismo, tentando salvar as terras e os pertences da garra colonial através da conversão. Os goeses portugueses são cosmopolitas, refinados, tolerantes. E maltratados pelos hindus nacionalistas. Uma parte da família ficou em Goa e outra parte foi para Moçambique. Com a guerra, vieram para Londres, e ela foi educada em colégios ingleses. Esteve nos Estados Unidos, trabalhou em Wall Street e regressou depois do crash, em Setembro do ano passado. Está contente por ter voltado.

Curiosamente, no intervalo de 48 horas, é a segunda goesa que encontro. A primeira trabalha num cabeleireiro, uma mulher bonita e afável que acha Portugal um país maravilhoso onde tentou fixar-se sem êxito. Também viera de Moçambique. É um país muito pequeno, muito tradicional, muito estreito, percebi que não era para mim. Esta, com os óculos encavalitados na testa e um ar despachado, diz que Portugal tem óptimas praias, mas não há nada para fazer. Não há dinheiro para ganhar. Nem investimento sério. O país pertence a meia dúzia de famílias, é como Goa. Uma casta. Não é um mercado interessante, porque está controlado por eles e pelo Estado. E não existem serviços financeiros, é tudo muito pequenino. Mulher, com a minha cor de pele... Agora está tudo a correr para Angola, é natural. Angola e Brasil. Como falo português, conheço esses mercados. Depois de regressar da América, o único sítio que me interessava era Londres. Apesar da crise, arranjei emprego. As coisas vão melhorando, devagar. Não tenciono regressar aos Estados Unidos, embora sinta a falta. E da iniciativa, a iniciativa é tudo. Os portugueses não sabem decidir. Arrastam tudo. Não têm a noção do tempo.

Então, diz-me a verdadeira razão pela qual não tenciona regressar. O amor. Ali, com o ovo orgânico a sorrir-nos na parede e o corrupio de gente com pastas e copos a escaldar, ela desiste e diz: casei. Conheci o meu marido aqui. Em Londres. Na América estive para casar com um colega. A tensão em que andávamos fez com que o noivado fosse eterno. Quando me vim embora, sabia que estava morto. Ele perdeu muito dinheiro e ficou desesperado. Só falávamos em ganhar, perder, dava cabo de nós. Um dia, em Londres, entrei num sítio destes, esta cadeia de restaurantes rápidos, estava mesmo em baixo. Um homem alto e corpulento, com uma barba branca e um sorriso simpático, servia cafés. Eu desempregada, a ver os jornais. Pela minha cara, deve ter percebido e perguntou-me se queria mais um expresso por conta da casa. Era o único homem ao balcão, os outros eram todos miúdos, filhos de imigrantes. Conhecemo-nos assim. Casámos passados seis meses. Ele era o gerente do restaurante. Um engenheiro desempregado, divorciado. Uma história pior que a minha. Continua no café, todos os dias. Ganha muito menos e trabalha com adolescentes. Nunca o vejo desanimado. Diz que tem umas ideias para pôr em prática. Montar o nosso próprio negócio. Vamos conseguir. Os ingleses são duros de roer. Sou muito feliz. E o dinheiro? Chega? Ela sorri igualzinha ao smile do ovo. Se chega? Claro que chega. O meu nome é Anjo. Ela pronuncia "anjú". Anjo? Maria dos Anjos. Fiquei Anjo.

Texto publicado na edição do Expresso de 24 de Outubro de 2009






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